June 29, 2008

Coitado! Que em um tempo choro e rio

Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Duma cousa confio e desconfio.

Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.

Queria, se ser pudesse, o impossível;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;

Queria que visto fosse e invisível;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!

Luís Vaz de Camões

Vazio

De nada serve buscar
A folha que cai no lago tranquilo
faz mais barulho que o barco
perdido na tempestade!

Eugénio de Andrade

Mãe

Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti - não me respondes
Bejo-te as mãos e o rosto - sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

Miguel Torga

Não, não vou por aí...

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces,
estendendo-me os braços, e seguros
de que seria bom que eu os ouvisse
quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
e cruzo os braços,
e nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
-Que eu vivo com o mesmo sem vontade
com que rasguei o ventre a minha mãe.
Não, não vou por aí! Só vou por onde
me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
redomoinhar aos ventos,
como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
a ir por aí...
Se vim ao mundo,
foi só para desflorar florestas virgens,
e desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
e vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! tendes estradas,
tendes jardins, tendes canteiros,
tendes pátrias, tendes tectos.
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca princípio nem acabo,
nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um atomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
-Sei que não vou por aí!

Cântico Negro, José Régio

Solidão ao adormecer

Silencio o tempo que por mim passa, sem perdão
Ancorando pedaços de sentires algemados no vento
Respiro as lágrimas de pó que descem ao meu coração
E continuo a derramar sem piedade este meu lamento…

Agarro as quimeras em sonhos esculpidos, mas em vão
A claridade é imensa e inebria todo o meu intento
Esculpo, dentro de mim, as odes de uma oração
Para gritares no dia da minha morte, sem alento

Vem… sussurra-me ao ouvido a tua dor
Com os teus lábios cerrados, saboreia o meu Amor
E afaga esta minha alma a esmorecer…

Deixa-me fechar os olhos e deles brotar
Lágrimas de sonhos que me fazem acreditar
Na solidão que me abraça quando quero adormecer.

June 23, 2008

Abandonada

Por momentos pensei agarrar o céu
Pensei que podia, sem asas voar
Chegar ao horizonte numa noite de bréu
E sentar-me no canto do mundo a sonhar!

Por momentos esqueci-me do vento bramindo no meu véu
Numa esperança risonha que me fez levitar
Cavalgar nas estrelas, qual folha de papel
Sorrindo para os astros, por estar a acreditar...

Mas o gélido sopro do zéfiro soou
Sussurros de mágoas de uma ave que ficou
À espera do silêncio, à espera do nada....

E o manto da noite cobriu o firmamento
Os Querubins vieram enterrar o lamento
Que envolve a minha alma assaz abandonada!

June 20, 2008

Nuts

Chegaste só a este meu mundo adormecido
Em quimeras e ilusões sempre a crescer
Viste nos meus olhos um mundo perdido
Uma dor, que também era tua, neste viver.

Partilhamos tudo, no mesmo coração ferido
Sem que ninguém conseguisse compreender
Que este livro já tinha por nós, sido lido
Pois nascemos de um mesmo amanhecer!

E a dor da tua partida fez-me morrer
Procurei-te despedaçada, pois não te queria perder
E a nossa história não podia assim terminar…

Mas todo o Universo conspirou suavemente
Cruzando os nossos caminhos, novamente
E abrindo o Paraíso para te encontrar!

Obrigada por existires minha irmã.

June 08, 2008

Lágrimas em sangue

Vasculhando as gavetas de um sentir
Com as pontas dos dedos que adormecem
Secretos silêncios que não se conseguem banir
Dos estilhaços em que sempre permanecem.

Rodopiando na loucura de um bramir
Em destroços de ventos que carecem
De novas aragens que teimam em parir
Gritos de desespero que se esmorecem!

Fecho o meu coração que chora
Tristezas que não conhecem hora
Nas palavras ditas sem razão!

Lágrimas em sangue vou perdendo
E por entre as ruelas do sonho vou morrendo
Agarrada a este mundo de ilusão!

Sou lágrimas

Canto melodias que só o meu coração conhece
Abraçada a estes silêncios de vida que mantenho
Deambulando por entre espaços vazios, desenho
Outras páginas de uma vida que esmorece.

O vazio chega durante a noite que me entristece
Para me lembrar que tudo o que em mim detenho
É um Hino de horrores num mundo que não tenho
E se dilui nas palavras desesperadas de uma prece.

Sou nada, sou ninguém
Sou efémera fantasia do além
Que carrega um fado que jamais desiste!

Sou lágrimas que ficam em cada olhar,
Em cada pedaço de um longo caminhar
Numa esperança de vida que já não existe!

June 01, 2008

O Direito de Morrer

Quando te disserem que morri
não penses que me matei por ti.
Morrer, não foi fugir
Morrer, foi encerrar um livro
com as páginas finais ainda por abrir.
Quando fechei os olhos,
há muito tinham desaprendido
o hábito de olhar...
E a minha boca fechada,
rigorosamente fechada...
continha a voz silenciada
do muito dizer... do nada!
Foi sossegar, não foi morrer!

Quando te disserem que morri
não penses que me matei por ti...
Matei-me, porque o meu corpo
estava farto de si!

Para ti, minha Amiga para que possas compreender
que apesar de existirem imensas páginas, não podemos
fechá-las assim, sem mais nem menos... porque ainda
ficarão, nesse livro, outras tantas páginas... igualmente
importantes e que chorarão se forem encerradas...